O Brasil é um país continental. De acordo com o IBGE, toda a extensão territorial é de 8.547.403 km², sendo o quinto maior do mundo — atrás de Rússia, Canadá, China e Estados Unidos. Por causa de suas dimensões, é de se esperar que a elite do campeonato nacional tenha a representatividade de todas as regiões, certo? Errado. O Campeonato Brasileiro tem há anos predominância da região Sudeste, onde está concentrada também a maior riqueza do futebol nacional. Na era dos 20 clubes (desde 2006), nunca houve a presença de um time da região Norte. O último foi o Paysandu, na edição de 2005, em que 22 equipes participaram.
Mas se os times nortistas não dão as caras, ao menos o cenário mudará nesta edição em relação à outra região. Esta é a primeira vez nos últimos 36 anos (desde 1986) que o Centro-Oeste emplaca três representantes: Atlético Goianiense, Cuiabá e Goiás. Em contrapartida, o Nordeste viu times seus diminuírem para apenas dois (Fortaleza e Ceará) depois de cinco anos seguidos com quatro equipes da região. Com o acesso do Botafogo, o Sudeste passou de 9 para 10 representantes, domina metade da tabela e terá neste ano a chance de fazer o campeão pela 21ª vez seguida. O último intruso foi o sulista Athletico-PR, em 2001. O Sul, aliás, continua com cinco integrantes após dois rebaixamentos (Grêmio e Chapecoense) e duas promoções (Coritiba e Avaí).
Os clubes da região Norte nesta temporada figuram apenas nas Séries C e D. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) não distribui cotas de televisão nessas divisões, o que dificulta o investimento para melhorar o elenco. Com mais dinheiro, os clubes poderiam melhorar seu plantel, fortalecer as marcas, reformar os estádios e ter mais chances de subir de divisão, mas não é só isso que falta. Segundo Beatriz Reis, que faz parte do grupo de estudos Setor Norte Futebol e Ciência, também é importante profissionalizar as diretorias. “O que mais pesa são falhas contínuas de gestão, ocasionando falta de vistorias técnicas em estádios, adiamentos de partidas, suspensão de competição, prejuízos econômicos etc. Já os clubes tentam se recuperar de prejuízos oriundos de gestões passadas e atuais. Falta investimento em estruturas, categorias de base, organização interna, entre outros”, disse Reis, em entrevista à Jovem Pan.
“É legal ter pessoas apaixonadas pelo clube dentro da estrutura, mas nem todos estão capacitados para tomar decisões essenciais. É nítido que muitos mandatários são mais torcedores que gestores, e isso é prejudicial para o crescimento do futebol na região”, completou Beatriz. Se espelhar em modelos de clubes com menor expressão e que fazem bom trabalho, como o Cuiabá, pode ser uma boa opção para que as equipes do Norte voltem à Série A. É o que acredita o diretor da Sports Value, Amir Somoggi. “Os patrocínios são baixos, o sócio-torcedor é baixo, a bilheteria também se tornou um problema com a pandemia. O caminho é se espelhar em clubes menores que cresceram muito com boas gestões. Se espelhar nesse modelo de não se endividar e não fazer loucuras”, explica.
“O clube-empresa é um caminho se você tiver o apoio do empresariado local. O Cuiabá, por exemplo, não tem muitas receitas, mas conta com boas cotas de patrocínio. O apoio de empresários locais garante que o clube tenha um mínimo de orçamento para competir em condições de fazer um bom papel. Eu acho que a grande saída é encontrar o seu caminho, alguns irão continuar como clubes, quem não tiver bom modelo de administração é melhor passar para o empresarial”, sugere Somoggi. Mas o papel da imprensa nacional e da CBF também precisa mudar. “Apesar de ter pouco destaque na mídia nacional, o futebol nortista existe, mas muitas pessoas desconhecem e se surpreendem quando veem a transmissão de Remo x Paysandu superar a audiência da maior emissora do país, por exemplo. Quanto à CBF, para a evolução ocorrer, precisa ter um tratamento que considere as regiões e distâncias, já que isso interfere no preparo do elenco, viagens, custos”, declara Beatriz.